Alexandre Marzullo (Rio de Janeiro, 1985) é psicanalista, músico e escritor. Mestre em Ciência da Literatura (UFRJ) e doutorando em Estudos de Literatura (UFF), pesquisando as intersecções entre tradução poética, psicanálise e poesia contemporânea na obra da poeta britânica contemporânea Alice Oswald. Autor do livro de poesias A Segunda Navegação (Ed. Patuá, 2022) e dos álbuns Primeiro Oceano (EP, Dubas Música, 2019) e Ao Sonhador (single, Dubas Música, 2021), ambos para violão instrumental.
FELICIDADE QUANDO CARNE
a felicidade quando carne
ㅤ ㅤ ㅤ no fundo da compaixão:
ㅤ as pétalas são lábios longos
e lindos: ㅤ ㅤ cavalos selvagens,
galopando puro fogo,
pólen, a seiva
lustrosa,
uma espécie muito bela
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ de iridescência,
dourados elos
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤe alegria.
SIM
conjura a palavra que jamais se equivoca
opera poeticamente no corpo
um semblante a levitar
como fragrância feminina
flutuante sobre a serena superfície do nada
o nada em aberto, nenúfar: cadências quentes tem o seu milagre
belo e generoso: cria vida, mas somente feito corpo,
pele, olhos, vão
inaugura a própria imagem: a origem do mundo, função da
palavra, ponto infinito
irradiando calor ao que cala, e revigora, conversa em outras línguas,
claro enigma: diz que pode ou não pode ter relação com a dor e a felicidade; voa
soberana em paisagens de angúsia, caça os
movimentos do próprio olhar
e não teme sonhos, porque sabe que atravessa a própria
carne:
traduz a palavra que jamais se equivoca
e opera no corpo
e se investigada, revela o oculto atrás da beira
como duplo do seio, o torvelinho nu
hiante e serena e calada
murmúrio de rio
perfumada, secreta
verde-água
a palavra-rosto
à margem, genitália
esperança
sim
POR UM INSTANTE AINDA
e se a solidão for um anjo
e os anjos existirem
como existe o mar
olhar o anjo nos olhos
como quem mergulha
naufrágio
devagar
Foto de Luísa Machado.